AVÁ-CANOEIRO
TERRITÓRIO E RESISTÊNCIA
Povo indígena Avá-Canoeiro do Araguaia.
Mapa de delimitação da Terra Indígena Taego Ãwa
anexo ao processo de demarcação.
O Centro de Referência Virtual Indígena apresenta a série especial Território e Resistência, que retrata, em uma página especial, a história de luta dos povos indígenas em defesa das terras tradicionais em que vivem. Reúne em uma linha do tempo documentos destacados do Armazém Memória e outras fontes, abrindo uma janela para se olhar um conflito histórico e permanente entre nossa sociedade e os povos indígenas, percorrendo distintos momentos de nossa história. Nos ajuda a compreender o presente em que vivemos, entender os mecanismos seculares de opressão e desrespeito vivido, no caso deste especial, do povo Ãwa, também conhecido por Avá-Canoeiro do médio Araguaia, da região norte do Brasil no estado de Tocantins, bem como a justeza da luta por demarcação de suas terras e respeito a seus direitos constitucionais. A protelação do reconhecimento desse direito é mais uma forma de violência vivida pelos Avá Canoeiro em nosso presente. Desenvolvimento sem violência é uma reparação devida. Uma dívida histórica, e atual, pelas brutalidades sofridas pelos povos indígenas a cada ciclo de desenvolvimento empreendido pela sociedade brasileira, o estado nacional e seus governos ou regimes de turno. Marco temporal é esquecimento e promotor de violência. Demarcar é reparar! Que cesse a violência do Estado contra os povos indígenas e que estes possam viver suas culturas e existências em tranquilidade, vida plena e respeito à `diversidade e aos direitos indígenas. Ocupar a história, recontar o Brasil, promover os direitos humanos e a efetivação da justiça de transição aos povos indígenas, é o que buscamos.
APRESENTAÇÃO
Os Avá-Canoeiro do Araguaia.
Em 2023 faz 50 anos do contato forçado. 50 anos de busca por sossego, justiça e reparação. Esse especial é um chamado à solidariedade para com esse povo, para que seus desejos de Bem Viver se realizem.
Estimados em alguns milhares de pessoas no século XVIII, na região de cerrado dos formadores do Rio Tocantins, os Avá-Canoeiro (Ãwa) ficaram célebres como o povo do Brasil Central que mais resistiu à colonização, preferindo a morte à sujeição. Depois da resistência aguerrida, os “Canoeiro” do século XIX foram massacrados e se dividiram em dois grupos de refugiados, desenvolvendo diferenças dialetais e perdendo a memória desse passado em comum: os que permaneceram nas cabeceiras do Rio Tocantins, contatados em 1983, e os que migraram para as planícies inundáveis do Médio Araguaia, contatados em 1973, cuja história será abordada em maior detalhe aqui.
O grupo do Araguaia foi caçado como animais selvagens pela sociedade regional até ser capturado em 1973 por uma equipe da FUNAI na Mata Azul, no vale do Rio Javaés. A Frente de Atração entrou atirando no acampamento indígena do Rio Caracol, onde se refugiavam 11 sobreviventes de uma família, e matou a menina Typyire. O contato forçado na ditadura militar beneficiou a grande Fazenda Canuanã, que recebeu incentivos fiscais da SUDAM como parte do projeto de “desenvolvimento” da Amazônia. A fazenda se associou à Fundação Bradesco e se apropriou das terras que eram ocupadas tradicionalmente pelos Javaé e Avá-Canoeiro, adversários históricos desde que os últimos adentraram o vale do Rio Javaés no fim do século XIX. Os Avá-Canoeiro foram transferidos pela FUNAI para aldeias de seus antigos inimigos, onde vivem até hoje em situação de marginalização. Em 1976, o grupo foi reduzido a apenas 5 pessoas devido a uma série de negligências, como a que resultou no desaparecimento de Tutxi, e abusos do órgão indigenista. Nos anos 90, em novo episódio de negligência, a FUNAI e o INCRA criaram o Assentamento Caracol com famílias originárias de outra terra indígena (Parque Indígena do Araguaia) na Mata Azul, onde foi reconhecida pela FUNAI em 2012 a Terra Indígena Taego Ãwa, dos Avá-Canoeiro do Araguaia.
As violências sofridas e a invisibilidade dessa história foram denunciadas em diversas instâncias, como a Comissão de Anistia (2012) e o Relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014), onde o caso teve destaque. O grupo do Araguaia soma agora 37 pessoas e está em busca de reparação desse passado de genocídio e opressão, com três ações civis públicas contra o Estado brasileiro tramitando nos tribunais. O retorno dos Avá-Canoeiro a Taego Ãwa, que teve reconhecida a posse indígena permanente pelo Ministério da Justiça em 2016, mas ainda está ocupada por fazendas e um assentamento, é a principal forma de reparação almejada.
Patrícia de Mendonça Rodrigues, antropóloga.
“O nosso grupo não pode morrer assim”
Os indígenas isolados Ãwa da Mata do Mamão, na Ilha do Bananal (TO), estão cercados de perigos. Neste vídeo, Kamutaja Ãwa, parente desses isolados, lembra a trágica história do contato forçado de sua família e pede que os direitos dos isolados sejam respeitados.
SURVIVAL INTERNACIONAL
“A NOSSA LUTA É UMA LUTA ANCESTRAL”.
Ver no Museu da Pessoa a história de: Kamutaja Silva Âwa – 17/11/2022. (2ª fase de depoimentos)
“Desde a década de 1970, quando a Funai realizou um contato forçado com o povo Avá Canoeiro, os indígenas sofrem várias violências, como a expulsão de seu território tradicional conhecido como Mata Azul. Até hoje eles continuam fora da área reivindicada, morando em aldeias dos povos Javaé e Karajá na Ilha do Bananal. A Portaria Declaratória foi assinada em maio de 2016 e o processo está na fase de desintrusão, para a retirada de dois assentamentos do Incra e da fazenda Eletroenge. Enquanto isso não acontece, as lideranças indígenas são ameaçadas pelos ocupantes do seu território. Em 2018, o povo ganhou uma Ação Civil Pública (ACP) proposta pelo MPF para a retirada dos ocupantes durante o período de um ano. A Portaria Declaratória sofreu vários ataques de políticos da
região, como a senadora Kátia Abreu e o deputado Carlos Henrique, que tentaram anulá-la. Advogados e o antropólogo Edward Luz foram contratados pelo agronegócio para desqualificar o relatório de identificação e delimitação da terra.”
LINHA DO TEMPO
“Porantim – Como foi este “contato”?
Patrícia Rodrigues – Eles tinham uma memória muito viva do que aconteceu. A Frente de Atração da Funai fez um ataque surpresa, de supetão. Eles foram caçados como animais. Alguém jogou um facão na direção da Watuma, esposa do Tutawa, que estava fora do acampamento e com o filho no colo, Juaga. Pegaram ela, que gritou. A partir disso, a Frente começou a atirar e soltar fogos de artifício. Os Avá, acostumados com os sucessivos ataques, reagiram rapidamente com flechas e um dos quatro Xavante que ajudou a Frente da Funai a localizar os Avá foi flechado. Como sua esposa e seus filhos estavam presos, Tutawa se entregou, juntamente com outros três indígenas, o cunhado de Tutawa, Tuti, a filha Kaukamã, com 12 anos, e o menino Kapoluaga, com 8 anos. Amarrados, eles foram caminhando, com água até as coxas, em uma região pantanosa, para a fazenda Canuanã, sendo o tempo todo ameaçados pelos Xavante no caminho. Cinco Avá fugiram para o mato, inclusive Typyiri, uma menina de cerca de 8 anos, que havia sido baleada e morreu dois dias depois. Os quatro restantes foram contatados no ano seguinte. Dos onze Avá encontrados pela Frente, seis morreram até três anos após o contato. Por sempre terem sido extremamente resistentes ao contato e pela violência com que ele aconteceu, eles ficaram profundamente traumatizados. Percebemos naquela ocasião que o tempo emocional dos Avá que foram capturados parou ali. É como se este trauma continuasse vivo neles.”
Em 1978 já existiam registros sobre a demarcação das terras de Canoanã para os Avá-Canoeiro. Casa da Cultura do Urubuí – Coleção de recortes de jornais.
DEMARCAR É REPARAR
JUSTIÇA AO POVO AVÁ-CANOEIRO
Termo de anuência da comunidade Ãwa sobre os limites da terra.
PROCESSO DE DEMARCAÇÃO
SEI 08620.026137/2012-41 – TI Taego Awa
Para acessar documentação completa do processo, clique aqui.
Tutela Ilegal x Direito Indígena
Para acessar a portaria declaratória, clique aqui.
Nos dias 16 e 17/03/2023 o Cacique Wapoxire e lideranças do povo Avá Canoeiro do Araguaia estiveram em Brasília reunidas com as autoridades federais para reivindicarem a demarcação da Terra Indígena Taego-Ãwa e o reconhecimento dos Ãwa isolados da Mata do Mamão na Ilha do Bananal, bem como o cumprimento da sentença que determinou a criação de uma Frente de Proteção Etno-ambiental no território dos parentes isolados. Junto com as lideranças da organização de representação do Povo Avá-Canoeiro Apãwa-To, estiveram presentes o procurador de Gurupi Dr. Bruno Silva Domingos do MPF-TO e membros do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), da Articulação dos Povos Indígenas do Tocantins (ARPIT), da Comissão Justiça e Paz de São Paulo (CJP/SP) e a antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues responsável pelo laudo antropológico da Terra Indígena Taego-Ãwa, declarada pela PORTARIA Nº – 566, DE 11 DE MAIO DE 2016.
16/03/2023 – Reunião do Povo Avá-Canoeiro do Araguaia com Guilherme Martins coordenador da Coordenação da Política e Localização de Povos Indígenas Isolados da FUNAI.
17/03/2023 – Reunião do Povo Avá-Canoeiro do Araguaia com a presidenta da FUNAI Joênia Wapichana.
17/03/2023 – Reunião do Povo Avá-Canoeiro do Araguaia com o Diretor do Departamento de Mediação e Conflitos do Ministério dos Povos Indígenas Marcos Kaingang.
“Nossa força vem do meu avô, o Tutawa. Desde quando éramos crianças ele falava: ‘A gente mora numa aldeia que não é nossa. Mesmo quando eu morrer, vocês têm que ir atrás do que querem’. Ele
sempre foi tão forte diante de tudo o que viveu que passou essa força para a gente. Nós vamos recuperar nossa terra. E eu queria que ele estivesse vivo para ver.”
ARTIGO
foto: Tutawa
Artigo publicado por Patrícia de Mendonça Rodrigues.
Campos – Revista de Antropologia (PPGA-UFPR), vol 20, n 2, ano 2019.
Artigo publicado por Kamutaja Silva Ãwa.
SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos, Edição n 31, dezembro de 2021.
Kaukamy e seu filho Wapoxire, Cacique dos Avá-Canoeiro do Araguaia, no Lago das Piranhas.
REPARAÇÃO DEVIDA
50 anos do contato. 2023 justiça aos Avá-Canoeiro.
Realizando atividades ligadas à oficina de uso do acervo Armazém Memória em meados de 2020, a antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues, que realizou os estudos antropológicos para a demarcação das terras ancestrais do povo Avá-Canoeiro, localizou nos arquivos ligados à extinta Assessoria de Segurança e Informação da FUNAI (ASI-FUNAI) um relatório produzido sobre matérias de jornais publicadas na imprensa sobre as Frentes de Atração no 2º trimestre de 1974, onde consta em seu item 2 a compilação de 4 matérias que tratavam dos trabalhos junto aos Avá-Canoeiro, contendo breve relato sobre a morte de Tutxi Ãwa (ou Tuti como foi utilizado na imprensa), apontando a exata localização em que o mesmo foi enterrado no Cemitério Parque em Goiânia (GO). Segundo as informações registradas no relatório, o jornal O Globo de 14/05/1974 publicou que seus restos mortais encontram-se enterrados na cova 808, quadra 1, Rua 14, deste cemitério, informação esta que seu povo nunca foi informado. Além disso, consta que foi enterrado com informações falsas, “como lavrador, nascido em Formoso do Araguaia, de 35 anos de idade, solteiro e filho de pais ignorados…”
““Eu disse a eles: ‘Como vocês reagiriam se alguém entrasse em suas casas, destruísse o que vocês têm e ameaçasse a sobrevivência de suas famílias? Se alguém não permitisse que vocês vivessem em suas próprias casas?’. Eles ficaram me olhando, assustados”, rememora Diego, neto do líder Tutawa.”
ÃWA EM MOVIMENTO
Esta coletânea de filmes organizada pelo Armazém Memória sobre o povo Ãwa reúne filmes, documentários, fragmentos de registros históricos, lives e entrevistas. Tais registros são ferramentas potentes para criar uma contextualização sobre algumas partes da história deste povo. Os vídeos possuem um grande potencial de compartilhamento em redes e alcance para conscientizar a população de um temática tão importante e que ainda mais atualmente, neste período que os povos indígenas sofrem ataques diariamente pelo setor privado em conluio com o Estado.
Ressaltamos a dificuldade de localizar mais produções sobre o povo Avá-Canoeiro, fato que apenas reafirma o apagamento do povo nos meios de comunicação criados e ditados pelos “brancos”. Devemos ter como meta expandir estes conteúdos, e se apoderar de ferramentas essenciais para disseminação de informação ao público amplo.
O Centro de Referência Virtual Indígena tem por meta contribuir para a construção de mecanismos de não-repetição da violência registrada contra os povos indígenas no capítulo Indígena do Realtório Final da Comissão Nacional da Verdade, publicado em 10 de dezembro de 2014, bem como estimular o cumprimento de suas recomendações. Desde esta data, dia em que se comemora a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não-repetição, verdade, justiça e reparação, base da justiça transicional, são oficialmente devidos pelos poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) aos povos indígenas que existem no Brasil.
Convide seus parentes, amigos e amigas a assistirem esta coletânea e contribua para esclarecer a sociedade em suas redes sobre o povo Ãwa e seus direitos territoriais, bem como o dever de reparação do Estado brasileiro frente às graves violações de direitos humanos praticadas contra os Avá Canoeiro.
Para Saber Mais
Indicamos para pesquisa e leitura algumas produções que ajudam a conhecer, compreender e estudar sobre o povo Avá Canoeiro. Visite a nossa biblioteca, estão disponíveis para pesquisa artigos, livros, cartilhas, trabalhos de conclusão de curso, teses de doutorado e mestrado.
SUGESTÕES DE LEITURA
Consulte outras publicações na biblioteca
CRONOLOGIA DO POVO AVÁ-CANOEIRO - TERRITÓRIO E RESISTÊNCIA
Autodenominados Ãwa e conhecidos como “Canoeiro” na literatura histórica, “Cara Preta” no médio Araguaia e Avá-Canoeiro a partir da década de 1960
Arranjo documental agrupado por séculos.
Pesquisa e organização:
Patrícia de Mendonça Rodrigues
Século 18
Quando os colonizadores encontraram os “Canoeiro” pela primeira vez, no final da década de 1750, eles estavam na região compreendida pelos formadores do Rio Maranhão, nome como é conhecido o alto curso do Rio Tocantins, e eram estimados em 4.000 pessoas (Pedroso, 1994). O auge do ciclo do ouro no norte da Capitania de Goiás já tinha passado e “as terras férteis que margeiam o rio Maranhão/Tocantins foram, então, ocupadas pela modesta economia agropastoril” (1994:54) que se instalou aos poucos em pleno território avá-canoeiro.
Nas décadas de 1770 e 1780, eles eram confundidos com os Xavante, sendo chamados às vezes de “Xavante de canoa” (ver Pohl, 1951).
No fim do século 18, a navegação pelos rios Araguaia e Tocantins, habitado por diversos povos indígenas, era prioridade para os dirigentes da Capitania de Goiás e para os comerciantes. O Capitão Tomaz de Sousa Villa Real, que realizou a célebre viagem entre Belém do Pará e a capital de Goiás pelo Rio Araguaia, entre 1791 e 1793 (Baena, 1848), havia sido encarregado, em 1789, de tentar um caminho mais curto pelo Rio Maranhão/Tocantins. Segundo Silva e Souza (1849:463), a guarnição de soldados da expedição era comandada pelo sargento José Luiz, que já tinha atacado os Kayapó antes. Nas imediações do vilarejo do Pontal, o sargento recebeu ordens para atacar o “gentio Canoeiro, que tinha feito despovoar grande parte das fazendas da visinhança do rio Maranhão”. A expedição “fez grande mortandade”, mesmo tendo “resistindo-lhe denodadamente” os Canoeiro, que lutaram com as mulheres e “um grande séquito de cães bravos que traziam”. Pedroso (1994, 2006) comenta que o grande massacre ocorreu no local conhecido como Ilha do Tropeço, no Rio Maranhão, perto da atual cidade de Peixe (TO), e é tido pelos autores clássicos da historiografia goiana como o principal fato histórico gerador de “seguidas represálias dos índios ao colonizador” (1994:55) até meados do século 19.
Século 19
O século 19 foi marcado pelos embates desproporcionais entre os colonizadores e os “Canoeiro”, os quais ficaram conhecidos na literatura como o povo que mais resistiu à colonização no Brasil Central, preferindo a morte à sujeição. Em 1824, Cunha Mattos (1875:19), o Governador das Armas da Província de Goiás, relata sobre os Canoeiro, estimados ora em 300 pessoas, ora em 1000 pessoas, que “numerosas bandeiras marcharam contra estes bárbaros, que tem sido destroçados, sem nunca cederem enquanto têm vida”.
Na coletânea de documentos históricos do Brasil Central (Ataídes, 2001) e nos relatos oficiais ou não dos presidentes da Província de Goiás, entre outros documentos, há muitos registros sobre bandeiras punitivas contra os Canoeiro e menções a uma insubordinação absoluta e inegociável desse povo. Os informes sobre expedições oficiais são mais abundantes nas décadas de 20, 30, 40 e 50 do século 19, incluindo vários do próprio Cunha Mattos.
Em razão dos massacres violentos, como já apontaram Curt Nimuendaju (1944 apud Baldus, 1970), Toral (1984/1985) e Pedroso (1994, 2006), os Avá iniciaram um processo irreversível de mudança das matas de galeria das margens dos rios, onde andavam em canoas e estavam mais expostos aos colonizadores, para as matas e cerrados das serras mais altas e distantes dos grandes cursos d’água, abandonando a navegação.
Pedroso (1994, 2006) descreve em maiores detalhes a intensificação dos conflitos entre os Avá-Canoeiro e as frentes de expansão agropastoris na primeira metade do século 19, o que foi acompanhado da fundação de presídios no Rio Maranhão e seus formadores1, assim como ocorreu também no Rio Araguaia em relação aos outros povos indígenas.
A resistência tenaz e inflexível dos Canoeiro ao colonizador tornou-se célebre, sendo recorrente na literatura histórica do século 19. Chaim (1974), Pedroso (1994) e Karasch (1992) resumem a questão dizendo que nunca se conseguiu realizar o contato pacífico com os Avá-Canoeiro, subjugá-los ou reduzi-los em aldeamentos.
A reação desproporcional das autoridades e moradores locais diante da resistência indômita desse povo Tupi causou a redução drástica da população original e a dispersão de pequenos grupos para áreas mais distantes. Pedroso (1994, 2006) conclui que os conflitos mais acirrados ocorreram nas décadas de 1840 e 1850 e que a redução populacional dos Avá-Canoeiro se deu a partir da década de 1840. A diminuição dos membros do grupo foi seguida de grande dispersão territorial a partir de 1850, de modo que, em 1870, “os embates haviam praticamente terminado” (1994:61)
Os Avá-Canoeiro chegam ao vale do Araguaia em meados do século 19
Esse processo contínuo de fragmentação populacional e dispersão territorial, que nunca deixou de ser acompanhado da tentativa dos moradores regionais de exterminar todos os Avá-Canoeiro encontrados pelo caminho, dividiu esse povo em duas populações distintas, a ponto de desenvolverem significativas diferenças dialetais: aqueles que permaneceram na região dos formadores do Rio Tocantins e arredores, distribuídos em pequenos grupos2; e aqueles que chegaram ao distante médio Araguaia primeiramente e, depois, ao vale do Rio Javaés, formador da Ilha do Bananal, onde se estabeleceram definitivamente, também distribuídos em pequenos grupos.
Os que chegaram ao médio Araguaia adentraram o antigo território de ocupação tradicional e pré-colonial dos Karajá e Javaé, principalmente desses últimos, com quem mantiveram relações de hostilidade recíprocas.
As primeiras notícias que se têm sobre os Avá-Canoeiro no vale do Araguaia, o principal afluente do Rio Tocantins, provêm de relatórios oficiais da década de 1850, nos quais, entretanto, há menção à presença dos “Canoeiro” na região há mais de 20 anos, ou seja, desde a década de 1830 (Ataídes, 2001, Cruz Machado, 1997).
Em seu relatório oficial de 1862, José Martins P. de Alencastre (1998b:98), Presidente da Província de Goiás e historiador, escreve que os “Canoeiro” andavam nas imediações do Rio das Mortes, o principal afluente da margem esquerda do médio Araguaia, já habitado pelos Xavante na época, ou seja, que eles já estavam do lado do Mato Grosso, e também já tinham atingido a Ilha do Bananal, coração do território tradicional dos Javaé e Karajá, na década de 1860 ou antes (ver mapas 3, 4 e 5).
As informações mais conhecidas e citadas na literatura sobre a chegada dos Avá-Canoeiro ao Araguaia provêm do livro de Couto de Magalhães (1974), escrito em 1863, ano em que o autor era Presidente da Província de Goiás e realizou uma famosa viagem por um trecho do médio Araguaia, ao sul da Ilha do Bananal. Na época de sua viagem, a margem direita do Araguaia era “assolada pelos Canoeiro” (1974:79), os quais “combatem sem recuar, não dão tréguas ao inimigo e nem aceitam a vida, quando por acaso são presos” (1974:95). Couto de Magalhães conversou com um casal de Canoeiro no Aldeamento Estiva, próximo da foz do Rio Crixás-Mirim, recolhendo pioneiramente um vocabulário de sua língua.
De acordo com os registros históricos, havia uma intensa movimentação de pequenos grupos por uma vasta área no médio Araguaia desde a década de 1830, quando os Avá chegaram às cabeceiras dos formadores do Rio do Peixe ou do Rio Crixás-Açú. Na década de 50, no mínimo, eles já haviam atingido as margens do Araguaia e, provavelmente, o Mato Grosso. E na década de 60, a Ilha do Bananal, bem mais ao norte, que compreende parte do vale do Rio Javaés, já era mencionada em relatórios oficiais como área de ocupação do grupo.
Os registros da década de 70 demonstram que havia uma ocupação simultânea de áreas bem distantes entre si. Em 1879, o Engenheiro Joaquim R. de Moraes Jardim (2001) realizou uma expedição oficial de estudos do médio Rio Araguaia, no trecho entre Leopoldina (atual Aruanã) e Santa Maria. Em seu minucioso relato, ele fala que “apparecem algumas vezes em correria na ilha do Bananal e em outros pontos da margem direita do Araguaya os terríveis Canoeiros, que parecem muito reduzidos pelas guerras em que constantemente vivem com as outras tribus indígenas” (2001:117). Os “Canoeiro” eram vistos em movimentação constante, quase ao mesmo tempo, tanto na região do Rio Crixás-Açú como na Ilha do Bananal, bem mais setentrional.
Nas duas décadas que se seguiram, 80 e 90, praticamente não há informações escritas sobre os Avá-Canoeiro.
1 Ver Cruz Machado (1997b), Couto de Magalhães (1998), Ataídes (2001).
2 Ver Pedroso (1994, 2006), Toral (1984/1985), Teófilo da Silva (2005).7
Século 20
Desde meados do século 19, o Rio Javaés não era mais utilizado como canal preferencial para a navegação na região da Ilha do Bananal. Até 1930, o vale do Rio Javaés, território de ocupação tradicional dos Javaé, ainda não havia sido atingido pelas frentes de expansão econômicas. Tal isolamento da região explica a sua escolha pelos Avá-Canoeiro como refúgio preferencial e a ausência, no fim do século 19, de registros escritos sobre o grupo. A ocupação da região pelos “Canoeiro” também foi facilitada, em grande parte, pela redução populacional sofrida pelos Javaé após as experiências devastadoras com os primeiros bandeirantes nos séculos 17 e 18. Desde então, os Javaé e os Avá-Canoeiro mantiveram relações recíprocas de hostilidade, que resultaram em várias mortes, compartilhando um mesmo território.
Importantes fontes históricas mencionam a presença dos Avá-Canoeiro no vale do Rio Javaés, como o etnólogo alemão Fritz Krause, que viajou pelo médio Araguaia em 1908 e foi o primeiro pesquisador a visitar uma aldeia javaé dentro da Ilha do Bananal. Krause (1941:236) descreveu os povos vizinhos dos Karajá, com os quais “vivem em pé de guerra”, incluindo os “Canoeiros” como moradores da extremidade sul da Ilha do Bananal. É do autor o que talvez seja o primeiro registro a respeito das relações belicosas entre os Avá-Canoeiro e os Javaé (“Xavajé”) (1942:169-170): “(…) Os Canoeiros (tiabeza) moram na margem oriental (do Araguaia), mas vagueiam também pela Ilha do Bananal, desde a barra do Rio das Mortes até a ponta sul. A eles atribuem-se todas as colunas de fumaça avistadas nessa parte da ilha. Segundo uma informação isolada, possuem igualmente no interior da ilha, na altura do Furo das Pedras, uma aldeia que vive em luta constante com os Xavajé vizinhos”.
Na virada para o século 20, no entanto, tanto os Javaé quanto os Avá-Canoeiro eram praticamente desconhecidos por pesquisadores ou agentes do Estado. Pouco tempo depois da visita de Fritz Krause, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), criado em 1910, organizou uma expedição de reconhecimento à Ilha do Bananal. Em 1930, os agentes do SPI ainda tinham dúvidas se as aldeias existentes no interior da Ilha do Bananal eram dos Javaé ou dos Canoeiro1, mas em 1948 o Glossário Geral do Conselho Nacional de Proteção aos Índios (Rondon & Faria, 1948:17) localiza os Canoeiro na “Ilha do Bananal”.
Os atuais Avá-Canoeiro lembram que seus antepassados moravam em uma gruta ao norte da Ilha do Bananal, no atual Estado do Pará, até a década de 1930, de onde passaram a se movimentar cada vez mais para o sul, no vale do Rio Javaés, após a chegada de colonizadores na região (Rodrigues, 2012, 2013). A localização dos Avá-Canoeiro em terras ao norte da Ilha do Bananal foi registrada pelo pesquisador Wilhem Kissenberth, que viajou pelo Araguaia em 1910 (apud Baldus, 1970:70-71), e pelo missionário protestante Archie Macintyre (2000), da União Evangélica Sul Americana, em 1920.
A partir da década de 30, há vários registros sobre a ocupação territorial dos Avá-Canoeiro no vale do Rio Javaés e do Rio Formoso do Araguaia, dentro e fora da Ilha do Bananal, exatamente onde hoje estão as terras indígenas Javaé / Avá-Canoeiro e Taego Ãwa. Destacam-se os relatos de missionários dominicanos de Conceição do Araguaia (PA) que visitavam os Javaé e Karajá até a década de 30 (Audrin, 1946); o mapa do grande etnólogo Curt Nimuendaju (1942); os relatos e mapas de jornalistas e escritores paulistas aventureiros que percorreram o Araguaia e seus afluentes na década de 30 e 40, como Hermano Ribeiro da Silva (1935) e Willy Aureli (1962a, 1962b, 1963), que trazem muitos dados sobre os conflitos dos Canoeiro com os Javaé; o relato de Leolídio Caiado (1961) sobre a excursão que fez na região da Ilha do Bananal em 1950, com informações importantes sobre as expedições sanguinárias dos novos moradores contra as aldeias dos “Cara Preta” na década de 40.
A década de 40 traz um número maior de registros sobre os Avá-Canoeiro como um todo, o que coincide com um maior avanço das frentes de expansão econômicas em Goiás, fato já notado por Pedroso (2006), e com uma intensificação dos conflitos entre índios e regionais no vale do Rio Javaés (Toral, 1984/1985). Nos anos 50 e 60 são praticamente inexistentes os registros escritos sobre os Avá-Canoeiro do Araguaia, o que está diretamente relacionado ao fato de que eles foram acuados e caçados sistematicamente pelos colonizadores que chegaram à região dos rios Javaés e Formoso do Araguaia a partir da década de 30.
A necessidade de viver em fuga constante foi imposta ao grupo do Araguaia, que teve centenas de pessoas assassinadas e aldeias inteiras destruídas por notórios caçadores de “Cara Preta” nas décadas de 1940, 50 e 60, genocídio lembrado com detalhes pelos Avá-Canoeiro e testemunhado pelos Javaé e pelos moradores regionais (Pedroso, 1994, 2006; Toral, 1984/1985; Rocha, 2002; Rodrigues, 2012, 2013a, 2019). Nas últimas décadas antes do contato, a agricultura foi abandonada e o principal critério de ocupação territorial reduziu-se à busca de um lugar seguro para sobreviver.
O contato forçado pela FUNAI em 1973
Os Avá-Canoeiro dividem a história de seu povo entre o antes e o depois da captura realizada pela FUNAI (“o tempo em que o Apoena pegou a gente”) e têm uma memória traumática sobre o episódio violento do contato forçado e o que se seguiu entre 1973 e 1976 (Rodrigues, 2012, 2013).
Quatorze sobreviventes dos massacres, com vínculos próximos de parentesco, esconderam-se na Mata Azul em meados dos anos 1960, entre o Rio Javaés e o Rio Formoso do Araguaia, onde escolheram o Capão de Areia, a salvo da inundação, como o último refúgio. A Mata Azul estava dentro da maior fazenda da região, a Fazenda Canuanã, dos irmãos Pazzanese, de São Paulo, que foi uma das grandes fazendas beneficiadas com recursos da SUDAM nos governos militares, com uma área registrada de 100.000 ha. Na época, a Fazenda Canuanã estava iniciando uma pareceria com o grupo BRADESCO, que resultou na instalação da primeira unidade rural da Fundação BRADESCO, instituição escolar existente até hoje. A sede luxuosa da fazenda, com pista de avião, havia sido construída no sítio da antiga aldeia Kanoanõ, dos Javaé, cujo cemitério e respectivas urnas funerárias foram destruídos com tratores. Os Avá-Canoeiro não tinham mais para onde fugir e estavam encurralados por criadores de gado, evitando se expor nas savanas durante o dia. Três deles morreram antes do contato imposto.
Em 1972, o órgão indigenista, comandado por militares, instalou uma Frente de Atração na região, comandada pelo sertanista Israel Praxedes Batista, que tentou a atração do grupo por meio de distribuição de brindes, sem obter sucesso, e reconheceu a ocupação tradicional indígena de uma vasta área em relatórios oficiais. Em outubro de 1973, Praxedes foi substituído pelo jovem sertanista Apoena Meireles, que decidiu forçar o contato abruptamente no início de dezembro, depois de localizado o acampamento dos Avá-Canoeiro pelos Xavante, os quais integravam a equipe da FUNAI no papel colonial de caçadores de outros índios.
Seis pessoas foram capturadas e conduzidas para a fazenda sob a mira de armas, pois os Xavante manifestaram a intenção de se vingar das flechas lançadas pelos Avá-Canoeiro, em legítima defesa, que atingiram o Xavante de nome Sidovi no nariz. Os outros cinco fugiram em pânico, entre eles a menina Typyire, que foi baleada durante a abordagem violenta e morreu dias depois junto aos seus parentes escondidos na mata (Rodrigues, 2012, 2013). As lembranças dos Ãwa, corroboradas por relatos de testemunhas e informações tardias dos próprios indigenistas, contradizem veementemente o boletim oficial produzido pela FUNAI nos governos militares, descrevendo uma grande “confraternização” entre a Frente de Atração e os índios contatados e omitindo o tiroteio que levou à morte de Typyire.
Após a captura, o povo que resistiu aguerridamente à colonização por séculos sofreu as consequências devastadoras da derrota imposta pelo Estado brasileiro: em 1973, os Avá-Canoeiro capturados foram expostos na sede da Fazenda Canuanã (fotos), por vários dias, à visitação pública de curiosos de uma vasta região e também aos vírus e bactérias para os quais não tinham imunidade, o que ocasionou a morte de alguns deles precocemente. Em meados de 1974, os quatro sobreviventes que fugiram da Frente de Atração foram atraídos pelo líder do grupo, contatado em 1973, que havia acreditado na falsa promessa da FUNAI de que poderiam viver em liberdade em terra própria após contatar os fugitivos. Em estado de choque, conforme os relatórios médicos da época, os quatro sobreviventes se reuniram aos seis capturados e, juntos, foram transferidos para um acampamento na Mata Azul, dentro da Fazenda Canuanã.
Por sugestão de Apoena Meireles, o grupo recém contatado foi supervisionado no acampamento pela FUNAI e pelos Javaé que receberam o treinamento autoritário e violento da famosa Guarda Rural Indígena (GRIN) em um quartel da Polícia Militar de Belo Horizonte. O órgão indigenista ignorou as relações de inimizade histórica entre os dois grupos desde o século 19, com mortes recíprocas não esquecidas, e o resultado foi que os Avá-Canoeiro têm uma memória traumática também desse período de abusos físicos e emocionais vividos no acampamento da Mata Azul.
Em 1976, por ordem da FUNAI, que não consultou nenhum dos dois povos, os sobreviventes avá foram transferidos sumariamente para o Posto Indígena Canoanã, dos Javaé, que na época somavam cerca de 400 pessoas. Os Avá-Canoeiro foram incorporados como derrotados de guerra pelos Javaé, embora tenha sido uma guerra vencida pelo Estado brasileiro, em uma posição social, política, econômica e cultural de subalternidade e marginalização. O resultado de séculos de genocídio e do contato violento foi trágico: dos 10 Avá-Canoeiro contatados em 1973/1974, havia somente 5 vivos em 1976 (um homem adulto com três filhos e uma irmã).
1 Ver o relatório de Bandeira de Mello, de 1930, no microfilme da FUNAI n° 271, fotogramas n° 1968 a 1972.
Século 21
A Terra Indígena Taego Ãwa e a judicialização das demandas históricas
Nas décadas que se seguiram ao contato, mesmo vivendo separados em aldeias dos Javaé e Karajá, os Avá-Canoeiro se reproduziram fisicamente por meio de uniões interétnicas com pessoas dos povos Karajá, Javaé e Tuxá, totalizando mais de 30 pessoas atualmente. Todos se reconhecem como Ãwa, mantendo continuidade histórica e cultural com seus antepassados por meio de importantes tradições e práticas que se perpetuaram, apesar de um contexto de opressão e significativas mudanças.
A identificação e delimitação da Terra Indígena Taego Ãwa pela FUNAI em 2011 e 2012 tirou o grupo da invisibilidade regional e nacional e inaugurou uma nova etapa na sua trajetória histórica, em um novo contexto de reparação pelas violências sofridas. Os Avá do Araguaia deram um depoimento oficial à Comissão de Anistia em 2011 e a história do grupo foi incluída no Relatório da Comissão Nacional da Verdade em 2014 como um caso emblemático. Em 2016, a Terra Indígena Taego Ãwa foi declarada como de posse indígena pelo Ministério da Justiça.
Desde que a terra foi identificada oficialmente, o grupo do Araguaia tem sido apoiado por uma rede de pesquisadores, professores, indigenistas, ONGs como o CIMI e o Armazém Memória, o movimento indígena regional e nacional, entre outros.
Diante de um passado de violências e um presente de negligências, a judicialização das demandas históricas e direitos constitucionais negligenciados pelo Estado brasileiro foi o caminho possível na busca de reparação:
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Em 2012, com base no relatório antropológico de identificação da terra indígena, o Ministério Público Federal (TO) ingressou com uma Ação Civil Pública solicitando uma indenização da FUNAI e da União por danos morais e materiais, que agora está tramitando no TRF1.
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Em 2018, o MPF (TO) foi acionado novamente, obtendo uma decisão favorável da Justiça Federal no mesmo ano em favor da demarcação da terra declarada como de posse indígena em 2016.
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Em 2019, após uma oficina com a linguista Monica Veloso em 2013, o grupo conseguiu finalizar a retificação de seus nomes nos documentos oficiais com o apoio da Procuradoria Federal da FUNAI (TO) e criou a Associação Indígena APÃWA.
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Entre 2019 e 2021, apesar da Pandemia de COVID 19 e por determinação judicial, a FUNAI iniciou e terminou o levantamento fundiário sobre ocupações de não-índios na Terra Indígena Taego Ãwa, que está ocupada por fazendas e um assentamento do INCRA. Taego Ãwa foi uma das duas únicas terras indígenas do Brasil onde a FUNAI estava realizando levantamento fundiário por ordem judicial.
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Em 2020, teve início um diálogo com a Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e o Armazém Memória sobre o episódio do desaparecimento do indígena Tuxi Ãwa três meses após o contato forçado. A localização de documentos oficiais revelou que ele foi enterrado “como lavrador, nascido em Formoso do Araguaia, de 35 anos de idade, solteiro e filho de pais ignorados” em um cemitério de Goiânia após a morte por pneumonia, contraída nos dias posteriores ao contato forçado por negligência do órgão indigenista. Em 2021, após diálogo com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, o caso foi encaminhado ao MPF (GO), que está investigando o desaparecimento com vistas a uma possível reparação aos Avá-Canoeiro do Araguaia.
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No fim de 2021, o laudo pericial oficial do Prof. André Demarchi confirmou integralmente ao Poder Judiciário a tradicionalidade da ocupação ãwa na Terra Indígena Taego Ãwa, que foi colocada em dúvida pelos advogados e antropólogo contratados pelos ocupantes não indígenas.
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Em fevereiro de 2022, houve uma tentativa de conciliação judicial por parte dos ocupantes não indígenas, com o apoio explícito do INCRA e da própria FUNAI, no sentido de destinar aos Avá-Canoeiro apenas a parte inundável da terra indígena. A proposta foi prontamente recusada pelo MPF (TO) e pelos próprios Avá-Canoeiro, que ingressaram como parte no processo judicial representados pelo advogado do CIMI.
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Em novembro de 2022, o Juiz Federal de 1ª. instância decidiu em favor da redução de cerca de 30 % do território indígena, excluindo – em benefício de terceiros – a área que dava acesso ao principal rio da região (Rio Javaés), utilizado para pesca, transporte e atividades diárias. Restaria aos Avá-Canoeiro uma área inundável em sua maior parte e cujo único lugar seco não tem acesso a água potável. A terra indígena situa-se em área inundável de várzeas, com poucos locais permanentemente secos, tendo sido o último refúgio dos Avá-Canoeiro antes do contato forçado. Com a decisão, um local de difícil habitação, mas ao qual os Avá-Canoeiro se adaptaram e desenvolveram vínculos de várias ordens nos anos que precederam o contato, tornou-se praticamente inabitável. Maiores detalhes estão na nota técnica a seguir (Veja a nota técnica).
Bibliogafia sobre os Avá-Canoeiro
Organizada por Patrícia de Mendonça Rodrigues em 2020.
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Filmes
- Avá-Canoeiro: a teia de um povo invisível, de Mara Moreira, 1998, Brasil, 70 min.
- Fragmentos de um povo, de Adrien Cowell, 1999, Brasil, 52 min.
- Taego Ãwa, de Henrique Borela e Marcela Borela, 2016, Brasil, 75 min.
2012
“Quase quarenta anos depois, em uma reunião de lideranças de diversos povos indígenas de Goiás e Tocantins com representantes do Executivo, o jovem Diego Avá-Canoeiro, na época com 20 anos, indignado com a total falta de compreensão sobre a calamitosa realidade de alguns povos indígenas, aponta sua borduna, tradicional arma de guerra, para duas renomadas autoridades públicas: José Weber Holanda Alves, que era braço direito do ministro da Advocacia Geral da União (AGU) Luis Inácio Adams, e o, então, chefe da Procuradoria Federal Especializada da Funai, Flávio Chiarelli Vicente de Azevedo, que posteriormente ocuparia o cargo de presidente interino deste órgão, e desde junho de 2015 é assessor especial do Ministério da Justiça.” (Jornal Porantim 378 de setembro de 2015)
PELA CRIAÇÃO DA COMISSÃO NACIONAL INDÍGENA DA VERDADE
com rede solidária de pesquisa e trabalho colaborativo
ESPECIAIS
Armazém Memória.