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MEMORIAL

As principais notas, notícias e mensagens em homenagem à vida de Marcelo Zelic publicadas até o momento de seu velório foram reunidas no caderno memorial ao lado, disponível para visualização em PDF. A edição desse material foi uma iniciativa coletiva de amigos do Marcelo.

Novas mensagens e textos de homenagem podem ser enviados nesse formulário. Aos poucos, publicaremos nesta página os textos enviados.

Marcelo Zelic presente!

Marcelo, desde jovem, era impossível! Saiu da casa dos pais, largou a faculdade e se aproximou de padres franciscanos, suas ideias e práticas. Com eles, aprendeu sobre a teologia da libertação e a nunca naturalizar as desigualdades. De 1983 a 1988, vivendo na Favela do Autódromo de Interlagos, na zona sul da cidade de São Paulo, Marcelo desenvolveu trabalhos ligados à educação e comunicação popular, à montagem de bibliotecas comunitárias, participou de lutas por terra e moradia. Nessa mesma época, concluiu o curso de psicodrama e atuou em ações e projetos como ego-auxiliar. Abraçou as causas em defesa dos direitos humanos e atuou junto a Dom Paulo Evaristo Arns no jornal O São Paulo, quando a ditadura ainda submetia o país à miséria, prendia, torturava e matava o povo brasileiro.

Marcelo criou o Armazém Memória em 2001. Desde então, foram inúmeros projetos voltados para a digitalização e disponibilização de arquivos da história, da cultura e das lutas dos povos brasileiros, documentados em textos, fotografias e vídeos. Colaborou com o MST, participando ativamente de caminhadas para Brasília e organizando a memória da luta pela terra. Criou centros de referência virtuais temáticos junto a entidades e organizações populares, colaborando assim para a construção de uma visão popular sobre o direito à memória, à verdade e à justiça.

Contribuiu com o projeto Memórias Reveladas e participou da concepção e realização do “Brasil Nunca Mais: Digital”, que digitalizou o acervo do Brasil Nunca Mais, com mais de 850 mil páginas de processos do Supremo Tribunal Militar do período ditatorial. Em 2012, participando dos processos da Comissão Nacional da Verdade(CNV), Marcelo encontrou e tornou públicos documentos fundamentais para a memória do Brasil: o Relatório Figueiredo, de 1967, que relata violações contra povos indígenas durante a ditadura militar; e um vídeo de 1970 da formatura da Guarda Rural Indígena, que aparece aplicando a tortura do pau de arara em um indígena.

Na CNV, foi um dos principais defensores da inclusão das violações contra os povos indígenas nas apurações e no relatório da Comissão, tendo ainda impulsionado e colaborado em Comissões Estaduais da Verdade, como a do Pará, cujo relatório final foi entregue em 31 de março de 2023. Foi vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, e integrava a Comissão Justiça e Paz de São Paulo.

Apostando na força da memória e da articulação política, Marcelo batalhou junto com os povos indígenas para visibilizar a repressão, a usurpação de terras e as violações da ditadura contra os indígenas para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça. Atualmente, Marcelo dedicava todo seu tempo à formulação e instauração de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade, capaz de visibilizar e reparar graves violações de direitos humanos contra os povos indígenas, no passado e no presente, combatendo as violências a partir da proposição de ferramentas de não repetição. 

Desde a eleição do Lula em 2022, Marcelo estava a todo vapor, confiante nos avanços das lutas dos povos indígenas por demarcação e reparação. Esteve em Brasília duas vezes em 2023. Reuniu-se com lideranças indígenas, com o Ministério dos Povos Indígenas e a FUNAI, fez pronunciamentos na Câmara dos Deputados, participou com muita alegria do Acampamento Terra Livre, sempre levantando a bandeira da necessidade da Comissão Nacional Indígena da Verdade.

Marcelo definia o Armazém Memória como “um resgate coletivo da história”.  Por vezes mais solitário, muitas vezes com pouquíssimos recursos, o trabalho diário de Marcelo no Armazém Memória sempre foi uma militância em rede, baseada na articulação em nível nacional e latino-americano. O Armazém foi concebido como uma ferramenta para articular a memória nas políticas do presente: lembrar, denunciar, reparar, transformar.

Marcelo deixou um legado grandioso, que cabe a nós cuidar, fazer crescer e frutificar. Marcelo Zelic presente!

“Eu tenho um trabalho de militância em direitos humanos. Comecei algumas faculdades: engenharia, jornalismo e larguei todas sempre no primeiro ano. Vi que não era isso que queria e saí fora. Dali para frente eu estudei por conta, sempre fui um pouco autodidata nas coisas.”

Marcelo Zelic

Última fala pública

Em 25 de abril de 2023, Marcelo Zelic participou de uma audiência pública na Câmara dos Deputados, convocada pela Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, sobre “Violações contra os povos indígenas durante a ditadura militar”.

Em sua fala, Marcelo alertou sobre a urgência de políticas de demarcação de terras, reparação aos povos indígenas e a instauração de uma justiça de transição capaz de interromper os mecanismos de repetição das violações. “Ao longo dos anos, vi a dificuldade que nós, não-indígenas, temos em tratar esse tema, a resistência em tratar esse tema e olhar para esse passado violento do estado brasileiro, da sociedade brasileira, e compreender a importância de aplicar a justiça de transição para os povos indígenas”.  

Clique no quadro ao lado para assistir (27:45).

Últimos textos escritos por Marcelo

 

Justiça de transição: remodelando práticas do Estado para o Bem Viver

O texto analisa o processo de justiça de transição no Brasil, observando o não desenvolvimento dos eixos da memória e verdade, justiça, reparação e não-repetição de forma simultânea no país, que resultam em fragilidades na democracia brasileira. O texto aponta a necessidade de implementação de um processo transicional aplicado ao período de 2019 a 2022, quando no Brasil vivemos um momento de forte repetição, pelo governo Bolsonaro, de práticas ligadas à ditadura militar, de 1964-1985, contra os povos indígenas e diversos setores da sociedade. Disponível em português e espanhol na revista Abya Yala.

Mudar condutas e quebrar o ciclo da impunidade

As repetições de graves violações de direitos humanos produzidas pelo governo Bolsonaro estão fortemente ligadas ao não desenvolvimento dos eixos da justiça de transição, de responsabilização dos crimes pela justiça brasileira e de criação de mecanismos de não repetição por parte das instituições de Estado. Os eixos memória e verdade sozinhos são incapazes de produzir avanços em nossa sociedade para evitar repetições de práticas de graves violações de direitos humanos pelos setores sociais que detêm o controle do Estado, do projeto de desenvolvimento e das riquezas do país. Disponível no Le Monde Diplomatique.

Mecanismos de não-repetição: um esforço de futuro sustentável

A não-repetição de violações de direitos humanos pressupõe a criação de mecanismos que modifiquem procedimentos cristalizados na gestão e ação do Estado brasileiro. Estes procedimentos se constituem em prática lesiva ao direito indígena, ocorrendo tanto no poder Executivo, como no Legislativo e Judiciário que, quando não são protagonistas, dão sustentação fundamental à repetição de graves violações de direitos humanos contra os povos indígenas. Disponível no Relatório anual do CIMI de 2021 e no Armazém Memória.

Fotografias do ato “Marcelo Zelic presente!”, convocado pela Comissão Justiça e Paz de São Paulo e pela Frente Inter-religiosa Dom paulo Evaristo Arns. O ato aconteceu no dia 10 de junho de 2023, no Parque da Juventude. Ali, no Bosque dos Direitos Humanos, foi plantada uma pitangueira em homenagem a Marcelo.

"Lavrador"

por Marcelo Zelic, para Zezinho e Marcinha do MST de Itapeva

Eu conheci o Marcelo Zelic em 86 ou 87, um período em que estávamos num grande acampamento lutando pela terra. Um período bastante dificultoso para a gente. Marcelo vinha sempre de ônibus de São Paulo, descia na pista, caminhava uns 10 km até chegar no acampamento para nos orientar. Dava alguns cursos, participava de algumas reuniões, trabalhava com grupos. Foi nesse período que tinha um festival em Itararé e ele nos presenteou com a letra da música ‘Lavrador’. Nós musicamos ela, participamos do festival, tiramos o primeiro lugar, foi muito bom. Foi nesse contexto que eu o conheci. Um companheiro da gente no período de acampamento.”

Zezinho, do MST de Itapeva

 

Marcelo no cinema

Orestes (2015) é uma adaptação da tragédia grega para a realidade brasileira. Com um júri simulado e uma série de psicodramas, Orestes coteja dois momentos da nossa história: a ditadura militar dos anos 1970 e a violência policial do presente.

Marcelo participou das sessões de psicodrama como ego-auxiliar no longa-metragem de Rodrigo Siqueira. “Além de me ajudar a elaborar várias passagens do filme, Marcelo teve participação fundamental ao representar o papel de Cabo Anselmo. No palco de um teatro em ruínas, emprestou seu talento para desnudar a dissimulação de um torturador covarde”, disse Rodrigo.

O filme está disponível online temporariamente no Vimeo. Para assistir, clique aqui.

Observatório Indigenista: homenagem e compromisso

“Marcelo Zelic foi um dos responsáveis pela inclusão do estudo de graves violações de direitos humanos contra os povos indígenas na Comissão Nacional da Verdade. O pesquisador que encontrou o Relatório Figueiredo deixa centenas de páginas escritas de documentos sobre violações de direitos contra os povos originários.”

O Observatório Indigenista realizou uma homenagem a Marcelo, que “deixa a responsabilidade de continuar seu legado de armazenar a memória dos direitos indígenas”. A transmissão ao vivo, que aconteceu no dia 13 de maio de 2023, contou com a presença de Ana Zema, Fernanda Kaingáng, Juliana Tupinambá, Maira Pankararu, Iury Tikuna, Mairu Hakuwi, Sandra Nascimento, Gabriel Fonteles, Mariana Recalde, Nuno Nunes, João Maurício Farias, Cleber Buzatto e Fábio Martins. Clique no quadro ao lado para assistir.

NA IMPRENSA

“As pessoas pensam em memória como escrever um livro, como algo que retrata, em história, o que aconteceu. No entanto, a memória tem muitas outras funções dentro da nossa sociedade. Uma delas, que nós no Armazém Memória temos trabalhado muito, é o papel de tomar decisões no presente. Ela tem a capacidade de interagir com as nossas questões no presente, para que a gente possa melhor decidir o que fazer agora.

Vídeo gravado em 2019 para o Projeto Culturas Vivas.

HOMENAGENS EM VÍDEO

Alguns amigos e companheiros de trabalho realizaram vídeos em homenagem a Marcelo. Clicando nos quadros ao lado é possível assistir aos relatos de Sônia Guajajara (Ministra dos Povos Indígenas), Elaine Moreira (OBIND e Professora da UnB), Fernanda Kaingáng (OBIND e Advogada), Marlon Weichert (Procurador MPF), Roberto Monte (DHNET RN), Wagner Gonçalves (Subprocurador Geral da República apos.) e Ana Zema (OBIND e Pesquisadora da UnB e do CLACSO). 

Se você tiver um relato sobre Marcelo e quiser compartilhar mande para nós nesse formulário. Aos poucos, publicaremos nesta página os vídeos enviados.

Pelos caminhos que andei,
já estive no fim da picada
e sei que deste mundo insano
não se leva nada.
Deixem viver os Yanomami,
deixem viver os diferentes povos,
a terra é para se existir nela,
com tudo que flui, mexe e cresce.

Pelos caminhos que andei,
o fim da picada não existe,
mesmo que um dia cheguei
em lugar que afirmasse isso.
Sempre há algo além
daquilo que nossos olhos veem,
ou que nos querem fazer enxergar.

No fim da picada,
existe vida,
existe mata ou viela.
Deixem viver os Yanomami,
deixem viver os diferentes povos,
mineração mata!

Por Marcelo Zelic
Março de 2022

O ARMAZÉM MEMÓRIA SOMOS NÓS

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